2005/06/27

Na sequência do post anterior não podia deixar de contar outra história em tom de curiosidade.
Todos os dias, depois do trabalho, passo numa estrada que tem uns semáforos a meio do percurso. E quase todos os dias, na esquina desse mesmo semáforo, vejo um rapaz numa cadeira de rodas à entrada de um beco como se estivesse à janela a ver o rebuliço do quotidiano. Só pelo facto de ser um rapaz novo e de estar 'preso' a uma cadeira que lhe garante alguma mobilidade sem a qualidade de vida que nós temos, já me deixa um pouco pensativo. É incrível como o infortúnio chega muitas vezes a quem menos merece e o caso dele é um desses, pois sofre de uma doença degenerativa. É a mesma coisa que ir morrendo aos poucos. Naquele beco daquele semáforo. Literalmente sem saída.
Mas se por um lado esta situação sensibiliza qualquer um, no meio dela há uma particularidade que também não me deixa indiferente. Desde o primeiro dia que o vejo, sempre esteve com um cachecol do Benfica amarrado ao seu braço esquerdo. De tal modo que o vermelho já está gasto, não pelo uso que tem no estádio, mas pelo sol que lhe bate todos os dias ali no beco. E é esta particularidade misturada com o infortúnio dele que faz com que esta história assuma focos de maior intensidade dramática. Se, por um lado, se torna triste vê-lo nesta situação, por outro lado a tristeza dá lugar a algum contentamento por vermos estampado nele o mesmo orgulho que nós temos pelo Glorioso. Acredito que ele sente o Benfica como nós. Que vibra a cada golo marcado. Que quase conseguia andar quando soube que fomos campeões. Acredito mesmo que se não fosse o Benfica a vida dele não teria nem metade do sentido que tem numa situação como esta. Como se o Benfica, em determinados momentos da vida de cada um de nós, fosse tudo e que mais nada nem ninguém à nossa volta interessasse.
Daqui a pouco vou-me fazer à estrada. Se for como quase todos os dias, vou reencontrá-lo com o seu cachecol vermelho, na esquina dos semáforos. Ele às vezes acena com o cachecol a quem lhe passa. Não sei se por conhecer as pessoas se para mostrar que o Benfica é mesmo tudo...!

2005/06/23

Uma batalha ganha
Juro que agora não me lembro de que jogo se tratava, mas sei que era dos primeiros jogos europeus no novo estádio da Luz e nessa altura podia-se comprar os bilhetes nas estações de serviço da Galp. Foi o que fiz, meti-me à estrada e em pouquíssimos minutos cheguei ao destino para comprar dois bilhetes para o Benfica. Já me lembro do jogo: Benfica - Inter em Março de 2004 para a taça Uefa. Uma vez chegado, deparei-me com uma fila considerável. Ainda pensei que fosse para pagar o gasóleo, mas rapidamente percebi que estava na fila certa. Soltei um desabafo para os meus botões, mas logo me consolei porque só o Benfica é capaz de movimentar tanta gente aquelas horas da noite (já passava das 22 horas). Faltavam três dias para o jogo e, entre comentários de pessoas que desesperavam na fila, tentava não me esquecer para que sector do estádio tinha combinado comprar os dois bilhetes. Os lugares, tal como acontece nos cinemas, iam ao pormenor de serem marcados num estádio com 65 mil pessoas! Os bilhetes mais baratos eram relativamente acessíveis. Os mais caros eram indecentemente inacessíveis num desporto que me ensinou que na vida não devia haver discriminação social. O futebol é do povo e eu cresci a ver a bola lado a lado com ricos e pobres na mesma bancada. Passado meia hora depois de entrar na fila, estava quase a chegar a minha vez de pedir os bilhetes. Mas antes acabei por fazer parte de um filme que já não se vê por esses estádios fora, porque o futebol moderno se encarregou de afastar praticamente de vez um dos principais protagonistas do futebol: o povo e a gente que tem no futebol o refúgio para as suas mágoas e frustrações, desejos e anseios. Estava um senhor, de vestes modestas, com três cartões de sócio do Benfica numa mão e o dinheiro, presumo que contado até ao último cêntimo, na outra. Pediu três bilhetes dos mais baratos, um para ele - o pai - e os outros dois para os seus filhos menores. Do outro lado do balcão, surgiu a resposta mais indesejável que ele podia receber: "já estão esgotados". Ouvi o senhor lamentar o seu azar. Ouvi-o barafustar contra o preço dos bilhetes. Ouvi-o mandar vir contra o elitismo em que se estava a tornar o futebol. Mas o que ouvi com maior atenção é que queria levar pela primeira vez os seus dois filhos menores à Luz e assim não podia realizar uma promessa feita aos miúdos, porque o dinheiro que tinha não chegava para tudo. Vi um pai duma família modesta a sentir na pele as consequências do futebol indústria que tanto odeio e abomino. Foi isto que me fez revoltar e sentir que não podia deixar de fazer alguma coisa. Ele acabou por comprar apenas dois bilhetes, o que significava que um dos putos ia ficar de fora. Eu estava a seguir na fila e a primeira coisa que fiz foi pedir a esse senhor o cartão de sócio do filho que não ia poder ver o jogo. Foi instintivo, nem pensei dois segundos sequer e aposto que ele também não pensou para o que era. Ao balcão pedi um bilhete para o lugar imediatamente ao lado daqueles que ele tinha comprado, entreguei-lhe o cartão mais o bilhete a que tinha direito e disse-lhe qualquer coisa como "isto é para que o André não fique triste e possa ir consigo mais o irmão ver o Benfica". O senhor, naturalmente, agradeceu-me do alto da sua modéstia. Mas sinceramente não me interessava ouvir um 'obrigado' nem um agradecimento. Só me interessava que um puto não deixasse de ir ver a bola e o Benfica, que somos nós, por dificuldades financeiras. Só me interessava que um miúdo sentisse aquilo que eu senti quando entrei pela primeira vez na Luz. Só me interessava que o futebol moderno não vencesse naquele momento...

2005/06/19

Um cântico e um sonho
Nunca caminharás sozinho
A teu lado, sempre a cantar
O teu nome, trazemos na alma
Juntos, vamos te apoiar

Benfica, és a nossa fé
És a, nossa religião
Contigo, eu vou a todo o lado
És a nossa única e grande paixão

Um cântico é o expoente máximo de quem está na curva com as atenções centradas no apoio ao seu clube. Este é um dos que, bastas vezes, se ouve num cantinho do estádio da Luz. E, desde já o digo, é o meu favorito dos DV1982 e que acaba por emprestar o nome a este blog. Sou daqueles que acham que um cântico tem de ser simples e directo. Que tem de aproveitar ao máximo a música e o ritmo que proporciona. Há cânticos que ficam desaproveitados porque a letra não consegue potenciar as suas capacidades de apoio ao clube. Ou por serem demasiado complexas ou porque não se adequam ao seu ritmo, quebrando-o. No entanto, abro uma excepção para o cântico que transcrevi no início deste post. Tenho mesmo de me vergar à sua nobreza e sentido. A música, em si, é das minhas preferidas: dá vontade de nunca mais parar de cantar. A letra é sentida: apela à paixão pelo Benfica e facilmente entra no ouvido.

Baseada na música 'Go west' dos Pet Shop Boys, a primeira frase é inspirada no épico hino de Anfield Road, o 'you´ll never walk alone'. E a partir dela desenvolve-se um texto que transmite força, vontade de ganhar, sede de vencer. Mas, acima de tudo, um querer imenso e uma imensa raça de estar com o Benfica. Ver um dia este cântico ser entoado num estádio da Luz cheio, faz parte do meu imaginário. Mas sei bem que, estando nós em Portugal, isso não passaria de um sonho que dificilmente se realizará. A mentalidade do adepto português não permite um feito deste género e o mais perto do meu imaginário que posso constatar é ouvir o 'Glorioso SLB' vindo de milhares de gargantas. Menos mal. Mas estamos a falar de um cântico muito simples, sem espinhas. Na verdade, arrepio-me quando o oiço. E tenho pena que não se consiga fazer ouvir 'Nunca caminharás sozinho' pelo estádio todo. Os adeptos do clube de Merseyside não imaginam sequer a sorte que têm. A mim, apenas me resta imaginar toda a nossa Catedral iluminada por esse cântico. Quem já viveu o Inferno da Luz, pode muito bem sonhar com isso...

2005/06/14

Lisboa é os elétricos com os putos à pendura, rasgando suas sete colinas.
Lisboa é as ruas sem destino por entre seus bairros típicos.
É a luz que irradia mesmo nas noites mais frias.
Lisboa é uma mescla de quem chega e tão cedo não vai embora.
Lisboa é o rio estendido a seus pés sem desvarios.
É a saudade de quem partiu e de quem chora. E o voltar com mais vontade.
Lisboa é as praças pejadas de amargura.
É o fado de quem tem memória e o povo que sai à rua.
Lisboa é a alma de quem por cá mora, resguardo de
um livro cheio de história.

Lisboa ainda é isto tudo. Menos a bola aos domingos à tarde.

2005/06/11

Raça e Mística Benfiquista
Não sei sobre o que escrever, apetece-me mas não me vêm ideias à cabeça. Cheguei agora a casa, são 2h30 da manhã e não tenho sono. Estive há pouco com pessoas de quem gosto muito e com quem partilhei alguns dos meus momentos mais importantes no último ano. E não estou a falar apenas da parte desportiva. Porque para além do Benfica, vivi situações que guardo cá dentro e que acabaram por me tocar por qualquer razão. Umas vezes por tudo, outras vezes por nada. Nem sempre tem de haver uma razão consequente por trás de tudo e é aí que entram os pequenos nadas que fazem a diferença...
Soube há pouco que o Álvaro Magalhães vai mesmo saír do Benfica. Fiquei desolado. O que pensava ser um rumor, afinal é verdade. Respirei fundo, pensei um pouco melhor e encontrei algo que acredito que possa vir a concretizar-se: ele merece ser treinador principal de uma equipa com pergaminhos. Talvez tenha chegado a sua hora e isso deixa-me mais descansado. O que me deixa triste, é ter visto ao longo de um ano aquele fervor benfiquista que ele irradiava durante os jogos, a raça e vontade de ganhar que transmitia do banco para o relvado e, acima de tudo, a mística que ele representava e conseguia passar mesmo para as bancadas do estádio e que vamos deixar de ter todos os domingos na bola. Já era assim quando ele jogava pelo lado esquerdo da defesa: tudo o que representava na altura continua intacto e incólume. Um dos jogos que me vem mais vezes à memória quando se fala no Álvaro é o da final da Taça dos Campeões Europeus contra o PSV Eindhoven em 1988 onde o Koeman, agora treinador do Glorioso, marcou o primeiro penalty de uma série deles que nos seria fatal. Mais uma vez se cruzam, mas agora no papel de treinadores.
Julgo que um dos trunfos do Benfica campeão foi ter o Álvaro como braço direito de um senhor do futebol mundial que nos deu o título ao fim de 11 anos, Trapattoni. Era imperioso ter alguém que conhecesse os meandros do Benfica e que facilitasse a integração do treinador italiano no futebol português, principalmente os seus truques e manhas. Este ano vamos deixar de ter esse trunfo. Só espero, mesmo, que não seja sinónimo de desilusão no final da próxima época.
O Álvaro vai-se embora e uma das imagens que marca qualquer benfiquista que esteve minimamente atento e que acompanhou a equipa por esses estádios fora, é aquela em que ele se vira para a bancada e, entre saltos e gritos, incentiva os adeptos a apoiarem o Benfica. Foi assim contra os tripeiros, quando perdemos injustamente em casa, após aquele estrondoso remate do Petit que não deu golo por capricho do árbitro. Foi assim contra os lagartos, no melhor jogo que a Luz assistiu desde que é a nova Catedral, para a taça. Foi assim no Bessa antes do Simão ter marcado o penalty e depois do jogo ter acabado em apoteóse. Foi assim tantas vezes e é disso que vou sentir mais falta. Mesmo que ganhemos tudo. Mesmo que joguemos bem. Mesmo que para o ano não haja motivos para o Álvaro fazer o que fazia nesses momentos, é disso que vou sentir falta.

2005/06/06

Sempre acreditámos!

"Tento acreditar como acreditava quando tinha cinco anos... quando o coração te diz tudo o que precisas saber".

Não sei quem o disse, apenas sei que estava escrito num spot publicitário duma revista perdida cá em casa. Isto resume um pouco do que vivemos ao longo da época que acabou. É, talvez, o único ponto comum que nos acompanhou desde o primeiro até ao último jogo: o termos acreditado até ao fim. E mesmo quando a nossa crença era abalada - porque os jogadores não se esforçaram nem souberam respeitar o símbolo que trazem ao peito, como algumas vezes aconteceu, ou porque certas derrotas nos levaram a pensar que tudo estaria perdido - nunca deixámos de acreditar. No fundo e ao fim de tantos anos, o desejo de sermos campeões era o único que nos interessava. Fosse com goleadas de um a zero, fosse com futebol deplorável, fosse com vitórias ao cair do pano, esse desejo estava cravado em cada um de nós. Claro que durante os anos anteriores esse desejo também existia. Isso é incontornável, não só pela história do Benfica mas também pela esperança quase cega dos seus adeptos no início de cada época. Por muito mal que o clube estivesse - e ao longo destes onze anos houve alguns em que ninguém, no seu perfeito juízo e dentro da pouca racionalidade que o futebol permite, acreditava que fosse possível ser campeão - havia sempre uma réstea de esperança em que, como não podíamos estar melhor, pelo menos que os nossos rivais piorassem. Foi muito à base desta condição que se baseou grande parte da nossa esperança durante alguns desses longos anos. Mas este ano, por todas as circunstâncias e mais algumas que me ocorrem, o desejo de uma nação (ver-te Benfica, campeão!) sentiu-se com mais intensidade e tudo nos pareceu mais próximo de se concretizar. O nosso coração dizia-nos isso, principalmente na parte final do campeonato, e era isso que precisávamos de saber. E o que era um sonho, tornou-se realidade.

Depois de escrever estas linhas, chego à conclusão que a minha condição de benfiquista não necessita de recorrer ao coração para me dizer o que eu precisava de saber. Porque eu sempre quis ser campeão, qualquer que fosse a circunstância, ou não fosse eu do Benfica! É mesmo uma condição inata, crónica, genética de quem sofre de benfiquismo. Só assim faz sentido sentir o Glorioso, só assim faz sentido a sua existência. Foi assim que cresci e aprendi a ver o meu clube. O que está aqui em causa é que, em alguns momentos senti-me desiludido e desalentado. E nessas alturas duvidei do sonho. Ao contrário do que possa parecer, não há aqui nenhuma incompatibilidade entre o acreditar até ao fim e o ter duvidado em determinadas alturas. Posso ter dúvidas e continuar a acreditar, assim como posso acreditar mesmo duvidando em alguns momentos, porque nas derrotas também crescemos e aprendemos, como se de um infortúnio se tratasse. E nem sempre podemos ganhar, mas nunca deixamos de pensar no sabor de uma vitória ou na glória de um campeonato ganho aos rivais. Principalmente na última jornada e numa cidade que também ama o Benfica, ao contrário do que alguns gostam de dizer, porque quem viu a nossa chegada ao Bessa e o passeio da nossa equipa pelas ruas portuenses, percebe que o Porto também sabe vestir-se de vermelho. Por muito que custe a alguns...!