2006/02/24

Mais uma noite daquelas...
E o Benfica lá apareceu. Este Benfica tão depressa nos leva ao desespero, como a seguir tem o condão de nos fazer voar ao dar-nos uma noite europeia como as antigas. Este Benfica está talhado para os grandes momentos, mas esquece-se que também é nos pequenos momentos que se ganham campeonatos. Este Benfica levou-me a falhar apenas um jogo fora para a Champions, em Paris, e se tudo correr bem só não me vai levar à falência porque, entretanto, as viagens via lowcosts passaram a estar geograficamente mais acessíveis. Mas se tanta gente se endivida com coisas supérfluas, sem razão nenhuma que não seja o consumismo desenfreado, porque razão não pode haver quem se endivide por um amor tremendamente trágico e ao mesmo tempo compensador? Pelo menos estou a consumir um ideal de que necessito de tal modo que chega a condicionar a minha vida. Pelo menos estou a consumir algo que me faz viajar, conhecer novas culturas, cidades e vilas por que nunca passei. Tenho a certeza que se não fosse o futebol, e o meu Benfica, não tinha conhecido alguns dos sítios onde estive. E duvido que os visitasse, se não fossem as papoilas saltitantes. E agora nem estou a entrar pelos tais caminhos que, por mais que os trilhe e escreva sobre eles, é preciso grande tolerância para que, quem nos olha do outro lado, consiga entender um pouco que seja disto. Porque este até é o lado que mais facilmente se compreende no meio disto tudo. Mas eu não me canso de partilhar momentos e situações que vivi com pessoas que também andam neste mundo e gosto de contar essas histórias a quem não teve oportunidade de sentir esses momentos. Há coisas que não podem ficar escondidas, precisam de ser lembradas e relembradas. Têm mesmo de o ser. Têm de se lhe dar asas para que não se esqueçam, nunca, que nós precisamos delas para desejar mais momentos assim. Momentos em que mesmo quando não há um golo, sentimos um arrepio na pele por estarmos a milhares de quilómetros da Luz, ao lado de tantos outros como nós, a sentir coisas que só o Benfica podia proporcionar. Momentos em que gritamos mais alto do que alguma vez imaginavamos que fossemos capaz. Momentos em que nos calamos para sentir na alma a força de um Benfica! em uníssono. Momentos em que, e agora falo por mim, tão poucos segundos depois de explodir com um golo como o de terça-feira passada contra o Liverpool, não consigo deixar de ficar quieto e mudo a olhar para aquele imenso mar de gente em delírio colectivo. Sim, eu fico completamente paralizado depois de um golo destes, num jogo com esta carga emocional, num Inferno como o da Catedral. Como se eu mesmo deixasse de existir e tudo à minha volta passasse a ser o centro do mundo. Alguém disse um dia que isto de estar vivo não vai acabar bem. Não deixa de ser verdade. Mas eu tenho muito mais medo de deixar de viver estas histórias.

2006/02/20

Onde andas, Benfica?
Não, não vou falar de Guimarães. Até porque não vi o jogo - um feeling me dizia que não ia correr nada bem e, infelizmente, o vaticínio confirmou-se.
Também não vou falar dos últimos resultados do Benfica. Aliás, raramente falo aqui dos resultados do clube e não era agora que o iria fazer - não gosto de falar nas derrotas, limito-me a pensar por que razão elas tinham de acontecer agora.
E é no agora que eu vou falar. Agora ponho-me a pensar em certos Benficas que já vi ainda não há muito tempo e pergunto-me onde é que anda aquele clube que, apesar dos resultados desfavoráveis, saiu do estádio com a honra lá em cima. O Benfica de San Siro e do Sem Medo que me marcou nessa noite pela mensagem tão forte e simples que é impossível não acreditar que os jogadores não deixaram de a sentir. O Benfica de Old Trafford, do Glorioso SLB que os seus adeptos fizeram ecoar pelo estádio inteiro, mostrando aos jogadores que o Inferno também pode ser feito fora da Luz. O Benfica que fez das fraquezas as suas maiores forças e naquela noite marimbou-se para o nome do United porque nome também temos nós. Isto, só para relembrar as mais recentes provas de que ele, quando quer, renasce para nos orgulharmos ainda mais das suas camisolas. É esse Benfica que eu quero amanhã, porque apesar das camisolas serem iguais, do símbolo ser o mesmo e das côres se manterem inálteráveis, há uma coisa que não posso deixar de pensar: a história faz-se do presente e amanhã é mais um dia que pode ficar na memória.

2006/02/10

Desobediências de um mundo à parte
Uma das grandes características da cultura ultra reside na tradição de desobediência que muitas vezes é confundida com marginalidade e até criminalidade por quem não se preocupa em passar uma mensagem séria e livre de preconceitos para com os grupos ultras.

Todos sabemos com que linhas se cose a sociedade actual. Todos sabemos, também, que qualquer sub-grupo duma sociedade é fruto das interacções entre os vários indivíduos que o compõem. Um grupo tem de ter, necessariamente, uma ligação comum a algo ou a alguém e, no caso das claques, esse algo é um clube. Até aqui se pode enquadrar o próprio adepto comum que está presente pela mesma razão. Apesar de tudo, é curioso como são mais as diferenças que os afastam do que as semelhanças que os aproximam. Daí os ideais que norteiam uns e outros serem completamente distintos. As diferenças estre os adeptos normais e os mais fanáticos que se juntam nos grupos de apoio começam na maneira como vivem o jogo e acabam na forma como o levam para casa, mesmo depois de ter acabado, já a pensar no próximo.

O fundamentalismo nunca foi bom conselheiro, no entanto julgo que há casos em que quando existe, é a prova de uma paixão levada ao extremo. E desde que isso não signifique que venha mal ao mundo, o mesmo é dizer, que não prejudique terceiros, não vejo motivos para grande preocupação. Apoiar o clube da nossa vida, aquele por quem fazemos sacrifícios por tudo e por nada, por quem nos chateamos por muito e por pouco, por quem gastamos rios de dinheiro às vezes sem comer nem dormir, por quem adiamos projectos pessoais e profissionais, por quem esquecemos amizades e ganhamos outras é algo que requer uma compreensão tolerante pela maioria das pessoas. Tanto mais quanto mais óbvio é a ideia que estes fanáticos são vistos como abusadores e a quem lhes é apontado o dedo à mínima falha de comportamento. É muito fácil generalizar atitudes num grupo tão vasto. Mas também é muito injusto catalogar todos pelos actos de alguns.

Estes fanáticos lutam. Não só pelo seu clube mas também por um ideal perseguido. Lutam pelo futebol livre de interesses. Daí a desobediência às regras impostas. Gostam de ir à bola, beber umas cervejas e conversar sobre as mais variadas histórias que viveram à conta de deslocações e não só. Estes fanáticos sofrem. Não só pelo seu clube mas também por se sentirem ameaçados na sua liberdade. Daí a desobediência à repressão. Gostam de estar em pé, a cantar e desfraldar as bandeiras e estandartes que ainda lhes são permitidos entrar no estádio. Estes fanáticos até têm consciência. Alertam para certos estados em estádios onde o bilhete para entrar nos faz pensar que estamos no olimpo da riqueza. Daí a desobediência ao futebol moderno. Gostam de se lembrar de antigamente, aqueles que tiveram o privilégio de estar presente nesse tempo, e de relembrar aos mais novos que o futebol já foi do povo. Mas não raras vezes há qualquer coisa que deita quase tudo a perder. Uma atitude irreflectida, um gesto mal pensado. E mais uma história que fica para contar, normalmente, com um fim que em nada ajuda à imagem dos grupos. Esta é a desobediência desnecessária, a que não interessa trazer para este mundo, a que despoja de sentido o esforço e a luta encetada, se bem que às vezes seja inevitável mas, para mim, apenas em caso de defesa. Porque ao fim e ao cabo, continuam no seu mundo, rodeados de premissas que, por vezes, mais não são do que quatro paredes à volta.
Mas a verdade, aquela que não vale mesmo a pena esconder, é que os grupos de apoio não fogem de certas situações mais violentas, provocando-as muitas vezes. É preciso assumi-lo que isto sempre foi assim. Mas o que não se pode também esconder, são as consecutivas manobras dos media e opinion makers sem qualquer formação para culpabilizar os grupos de apoio pelo estado do futebol actual, passando uma mensagem para a opinião pública que não deixa de ter uma certa verdade, mas que esconde muitas outras por trás. Esta é, aliás, uma poderosa forma de distorcer a realidade. O único motivo em que podem ter razão neste contexto é que os próprios grupos também se industrializaram. Mas numa indústria que prima pela mercantilização de uma paixão que orgulhosamente nunca deixaram de ter, esta foi a maneira que encontraram para sobreviver. Só que eu nunca os ouvi falar disso, assim como nunca os ouvi falar da perda dos valores a que o futebol negócio chegou. Porquê? Porque muito provavelmente não vão ao estádio, de certeza que não fazem sacrifícios de toda a ordem para ir ver o seu clube jogar fora, não sabem o que é deixar de escolher uma coisa para poderem ter outra e muito menos sabem o que é sentir centenas de adeptos num estádio estrangeiro a gritar pelo seu clube a milhares de quilómetros de casa. E mesmo no dia em que tiverem esse privilégio, duvido que percebam o que eu escrevo nestas linhas. É que não me posso esquecer que o nosso ideal vai contra as regras instituídas, um ideal politicamente incorrecto, em que somos irreconhecidamente fiéis e reconhecidamente um alvo a abater. Um mundo à parte.

2006/02/06

Aproveitando o facto deste espaço ter a visita de senhores agentes da autoridade, deixo aqui algumas considerações em resultado do que presenciei dentro do estádio em Leiria, depois do jogo ter terminado:
1. Se os "Pereiras" não têm culpa, nunca têm culpa, do que se passa entre os adeptos de grupos organizados e os seus colegas artilhados até à pestana;
2. Se a responsabilidade das cargas policiais, sempre ou quase sempre desproporcionadas e ainda menos justificadas nas bancadas, nunca é dos "Pereiras";
3. Se estes "Pereiras" estão fartos do que vêem nas bancadas, devido à repetida falta de preparação desses seus colegas que comandam as operações de controlo e intervenção;
4. Se os "Pereiras", estirpe policial mais próxima dos adeptos oganizados, nos conhecem melhor que ninguém e sabem como reagimos em certas e determinadas circunstâncias que tantas vezes se repetem por esses estádios fora;
5. Se eles, "Pereiras", são os primeiros a assumir que desaconselhavam fortemente a retenção dos adeptos dos grupos do Benfica nas bancadas por tempo indeterminado;
6. Se isto tudo e os "Pereiras" não têm poder nenhum nas decisões de intervenção de cargas policiais.
O que é que estão lá a fazer?