2006/05/30

A dupla nostalgia de Patience
O Rui é a mística viva. É a reencarnação do futebol paixão que lentamente nos tiram. É saber que ainda há quem corre por amor a um ideal, num meio mercantilizado. É relembrar os tempos em que um jogador se confundia com a camisola. É voltar a acreditar que esses tempos, embora idos, não se podem nunca perder de vista.
O Rui é um livro aberto que nunca se fechou. Os três anos completos que passou na equipa principal do Benfica, foram mais do que suficientes para se constituír um ídolo dos mais novos aos mais velhos. Os mais novos porque queriam ser como ele, a jogar de cabeça levantada, com elegância e a tratar a bola como se fosse a coisa mais importante do mundo. Os mais velhos porque era um ícone da casa e bem merecedor da camisola número 10 que passou por monstros sagrados do clube.
O Rui é os 6-3 em Alvalade, se bem que nesse jogo não tenha entrado a titular. É os 4-4 em Leverkusen, no mesmo ano, um jogo épico que ainda guardo em vhs. É a final da Taça de Portugal conquistada frente ao Boavista por 5-2, num dos melhores jogos que já vi em toda a minha vida. É a antiga Luz cheiinha de benfiquistas a cantar-lhe os parabéns num jogo contra o Parma que teria um final de eliminatória estupidamente imerecido.
O Rui é do tempo em que os jogadores se dirigiam ao 3º anel e faziam uma vénia quando entravam em campo. É do tempo em que grande parte das bancadas do antigo estádio ainda não tinham cadeiras. É do tempo das cento e vinte mil pessoas que faziam o Inferno da Luz. E depois partiu, foi-se embora. E com ele, grande parte dos sonhos em sermos campeões: ficámos onze anos sem conquistar um título e orfãos de um pensador de jogo que marca a diferença em qualquer equipa.
O Rui é o 3º anel a aplaudi-lo de pé quando chorou em pleno relvado depois de nos ter marcado um golo pela Fiorentina. Mesmo na única vez em que nos pregou uma rasteira, não nos foi traídor: fê-lo perante os seus adeptos de sempre no seu palco de sempre, escondendo a cara com as mãos para não o vermos chorar, enquanto os índios do 3º anel o aplaudíam de pé. Foi dos momentos mais marcantes da minha vida de adepto, verdadeiramente arrepiante.
O Rui, agora, voltou. Nunca deixou de estar entre nós por tudo o que significou enquanto lutou de águia ao peito. Mas, agora e de novo, podemos vê-lo no mesmo barco, com a sua camisola de sempre e com os seus adeptos de sempre. Durante todo este tempo, se há música que mais se adequa aos doze anos de ausência do Rui, é Patience. O mais engraçado é que na mesma semana em que o Rui nos deu esta alegria, os Guns N' Roses regressavam, também, a Portugal para um concerto muito esperado depois de, há catorze anos, terem actuado em Alvalade. Coincidências? Não creio. Há coisas que têm mesmo de ser assim...

2006/05/18

O começo e o fim de tudo
Há coisas que passam de pessoa para pessoa como se estivessem geneticamente ligadas. Há coisas que se aprendem sem ser preciso falar, bastando para tal interesse e gosto em ver o que é feito, ao ponto de nos sentirmos com vontade de fazer da mesma maneira. Há coisas que quando são feitas por devoção não interessa muito se os outros percebem, pois os que são ou foram dos nossos sabem o que queremos transmitir. É como se fosse um mundo à parte em que vivemos a nossa liberdade, embora cada vez mais condicionada. Onde existem referências, símbolos, valores e maneiras com as quais nos identificamos mas que tão depressa nos podem desiludir. Um pano ou uma faixa feita com a nossa mão é parte de nós, do nosso corpo. Uma extensão sem a qual ficamos orfãos da nossa identidade. Não é apenas para dizer que estamos ali, presentes. É para marcar um território que teimam em nos tirar cada vez mais. É o começo e o fim de tudo. É onde as histórias vão ficar gravadas, onde o sangue é derramado e as lágrimas enxutas. É onde nos agarramos quando as forças nos faltam. É o que nos lembra porque estamos ali, naquele momento, quando as coisas não correm da melhor maneira. É o que serve de mote para as aventuras e incidências, para transmitir ideias e um ideal. A identidade de um grupo passa muito por aqui e é tanto mais coerente e forte quanto mais próxima estiver das suas maneiras e vivências. Por isso, uns são mais respeitados do que outros, mesmo que se odeiem. E, por isso, uns acabam por ser mais admirados e temidos do que outros. Um simples pedaço de tecido pintado à mão, sempre pintado à mão, acaba por ser um troféu para os rivais na luta pelo mais forte. Tanto maior quanto mais antigo for. Um simples pedaço de tecido pintado à mão. Por onde os anos e as pessoas passam. E, por fim, onde as memórias ficam. Depois de todas as odisseias, porque tudo tem um fim, é a única coisa que vai ficar.

2006/05/08

A época acaba da mesma forma como começou: mal. Muito mal para um Benfica que se tinha consagrado camo campeão no ano do centenário e que conseguiu ir aos quartos-de-final da Champions. Não tenho por hábito falar de treinadores, mas desta vez vai ter de ser. Um treinador que considera positiva a época que agora acabou, tal como Koeman considerou, não devia continuar a comandar as ambições de milhares de benfiquistas que sonham voltar a consolidar uma equipa de campeões. Entre os jogadores do plantel, nota-se que este treinador não tem o carisma que o Trappatoni tinha, se bem que eu também não vá à bola com o tipo de futebol que o italiano impôs no clube. Mas, às vezes, é no balneário que tudo começa bem e onde tudo acaba melhor ainda. Não soube nem provou saber tirar partido dos melhores jogadores, assim como se equivocou bastas vezes na gestão dos jogadores. Andou perdido, experimentou tácticas descabidas e sem sentido. Provou, no fundo, desconhecer com que linhas se cose o futebol português e as suas equipas. Pior que isso, julgo mesmo que não quis perceber isso e a prova é que, ao contrário do que tantas e tantas vezes fez, não se pode jogar contra uma Naval, que sempre lutou para não descer, da mesma forma que se joga contra um Liverpool campeão europeu. Os jogos na Champions foram uma autêntica pedrada no charco e aí, dou totalmente a mão à palmatória, Koeman teve todo o mérito. Divertimo-nos à grande na Europa, revivemos o Inferno da Luz e as noites europeias. Mas isso não chega e ficou um trago amargo na memória pelos doze pontos a menos em relação ao primeiro lugar. A forma como, depois de termos sido afastados desta competição pelo Barça, nos arrastámos no campeonato não foi nada digna e merece severos reparos. A falta de motivação não serve para explicar nada, a partir do momento em que (infelizmente) o segundo lugar dá entrada directa na maior competição europeia de clubes e em que o estádio da Luz teve a melhor média de assistências em Portugal.
Excepção feita a alguns casos, não sou a favor de despedimentos de treinadores. Os contratos são para se cumprir na medida do justo e do possível. Mas já que se fala que o PSV Eindhoven está interessado em Koeman, por mim deixavam o homem partir. Não vou ter saudades. Só tenho saudades das noites europeias na Luz e, em especial, daquela quarta-feira em Anfield Road que me lembro todos os dias quer se fale no Benfica ou não. E essas saudades não são porque Koeman pôs o Benfica nesses palcos. Foi apenas e só porque é o Benfica. E acredito tanto que, independentemente do treinador, essas noites tinham mesmo de acontecer assim...