2007/01/30

Repressão e Liberdade
Dois metros à minha direita, duas daquelas figuras que só enervam a alma de quem vai ao futebol para ver a bola, davam o mote para mais uma investida à bastonada no sector ao lado. O mais caricato surgiu imediatamente a seguir. Outra figura, com maior patente do que os outros dois que estavam mortinhos para entrar em acção, gritou alto e bom som não avancem, o chefe ainda não deu ordem!. Portanto, era apenas uma questão de tempo. E assim foi. À minha frente passaram a correr enquanto desempunhavam os bastões e o resto é a história do costume, tantas vezes repetidas. As causas às vezes obrigam a intervenções destas, mas eu não me lembro de uma única investida na bancada que tivesse plena justificação. É sempre por causas mínimas, que podem ser resolvidas de todas as formas, menos desta, que acabam por arrastar adeptos que nada têm a ver com elas. Aconselho vivamente a verem um jogo perto destas figuras para se aperceberem que alguns são uns autênticos grunhos e sem respeito por quem paga bilhete para ver um simples jogo de futebol. E aquelas duas figurinhas que citei atrás, passaram a primeira parte do jogo a fazer comentários nada abonatórios para quem tem como função zelar pela segurança. Quase apetece perguntar quem é que nos protege deles.
O Restelo é um estádio bonito. É dos poucos que me faz recordar como as coisas eram antigamente. Um topo repleto de adeptos dos grupos de apoio do Benfica, com momentos muito bons, é algo que dá um tremendo gozo viver e sentir. Invariavelmente, acabo por fazer uma comparação com tempos idos e facilmente chego à conclusão que, pelo menos neste jogo, a presença dos grupos em geral esteve uns furos acima do que era há uns anos atrás. Um recinto que permite pôr as faixas e os panos quase sem restrições, leva-nos ao antigamente. Um topo repleto de faixas e onde a grande maioria dos adeptos são aqueles que apoiam a equipa, deixa-nos saudades de voltar a repetir. Uma bancada que nos permite ir à rede para festejar o golo empoleirados e à espera que os jogadores venham festejar connosco, põe-nos a pensar que ainda é possível voltar aos tempos em que as camisolas se confundiam com os jogadores.
Mas depois, no final do jogo, volta-se à realidade. Ao mundo em que todos os adeptos, excepto os dos grupos de apoio, podem sair à vontade da mesma bancada. Os outros, os anormais e os alienados ficam retidos. Largos minutos na bancada, para depois só se poder sair em filinha pela única porta que está aberta, num jogo sem nenhum risco, é mesmo para chatear um adepto. Tenho saudades de ir à bola sem ser importunado por quem nos teima em tirar a pouca liberdade que temos dentro dum estádio, duma bancada, dum topo. Na Luz, recuperei em parte essa liberdade, pelo simples facto de que na zona onde estou, não sou sujeito à repressão habitual que é exercida no sector dos grupos de apoio. Entrar na Luz sem ser minuciosamente revistado à entrada ao ponto de entrar no estádio com uma imperial na mão, é coisa que me transporta para a realidade de um mundo esquecido desde há uns anos. E, apesar de ter sido uma distracção do steward, não deixou de ser uma pequena vitória.
Haja mais distracções assim.

2007/01/17

Vinte anos depois, que diferenças?
Aqui há umas poucas semanas, um jornalista da sic escreveu num espaço de opinião online que as claques deviam ser proibidas pela simples razão que... afastam adeptos. É aquele tipo de argumento que não acrescenta nada à discussão, que não tem fundamento que suporte a ideia e muito menos razão objectiva por trás. É de quem não gosta de grupos de apoio porque só olham para o seu lado negativo. É muito fácil não gostar duma coisa quando apenas reparamos no lado mau dessa coisa. É muito fácil não gostar de alguém porque apenas ligámos ao lado mau desse alguém. Tudo tem duas faces e, como em tudo na vida, não há só perfeições, como também não pode ser tudo mau.
Este é, aliás, um argumento que se desmonta com demasiada facilidade e por isso mesmo não dá gozo nenhum rebatê-lo. Cai logo por terra se nos lembrarmos que as claques em Portugal já existem há uma vintena de anos, quando os estádios estavam cheios, os jogos eram ao domingo à tarde e os bilhetes acessíveis. Passados vinte anos, a única coisa que se mantém no futebol são - admirem-se lá um pouco - as claques! Os jogos a horas decentes, nem vê-los. E os bilhetes a preços acessíveis, são cada vez mais uma miragem. Julgo que o afastamento dos adeptos tem muito mais a ver com estas questões do que com os adeptos mais fiéis e apaixonados dos grupos de apoio que, contra tudo e contra todos e embora com algumas contradições e incoerências, são os que ainda fazem honra em estar presentes.
E dei por mim a lembrar-me que, antigamente, os mais velhos não gostavam das claques porque usavam potes de fumo e aquela fumarada toda estorvava a respiração, punha-os a tossir e a mudar de bancada. Ao menos era um argumento cheio de razão. Sem grande argumentação, mas era mesmo assim. E, principalmente, não se inventavam mil e uma razões só porque sim.