Repressão e Liberdade
Dois metros à minha direita, duas daquelas figuras que só enervam a alma de quem vai ao futebol para ver a bola, davam o mote para mais uma investida à bastonada no sector ao lado. O mais caricato surgiu imediatamente a seguir. Outra figura, com maior patente do que os outros dois que estavam mortinhos para entrar em acção, gritou alto e bom som não avancem, o chefe ainda não deu ordem!. Portanto, era apenas uma questão de tempo. E assim foi. À minha frente passaram a correr enquanto desempunhavam os bastões e o resto é a história do costume, tantas vezes repetidas. As causas às vezes obrigam a intervenções destas, mas eu não me lembro de uma única investida na bancada que tivesse plena justificação. É sempre por causas mínimas, que podem ser resolvidas de todas as formas, menos desta, que acabam por arrastar adeptos que nada têm a ver com elas. Aconselho vivamente a verem um jogo perto destas figuras para se aperceberem que alguns são uns autênticos grunhos e sem respeito por quem paga bilhete para ver um simples jogo de futebol. E aquelas duas figurinhas que citei atrás, passaram a primeira parte do jogo a fazer comentários nada abonatórios para quem tem como função zelar pela segurança. Quase apetece perguntar quem é que nos protege deles.
O Restelo é um estádio bonito. É dos poucos que me faz recordar como as coisas eram antigamente. Um topo repleto de adeptos dos grupos de apoio do Benfica, com momentos muito bons, é algo que dá um tremendo gozo viver e sentir. Invariavelmente, acabo por fazer uma comparação com tempos idos e facilmente chego à conclusão que, pelo menos neste jogo, a presença dos grupos em geral esteve uns furos acima do que era há uns anos atrás. Um recinto que permite pôr as faixas e os panos quase sem restrições, leva-nos ao antigamente. Um topo repleto de faixas e onde a grande maioria dos adeptos são aqueles que apoiam a equipa, deixa-nos saudades de voltar a repetir. Uma bancada que nos permite ir à rede para festejar o golo empoleirados e à espera que os jogadores venham festejar connosco, põe-nos a pensar que ainda é possível voltar aos tempos em que as camisolas se confundiam com os jogadores.
Mas depois, no final do jogo, volta-se à realidade. Ao mundo em que todos os adeptos, excepto os dos grupos de apoio, podem sair à vontade da mesma bancada. Os outros, os anormais e os alienados ficam retidos. Largos minutos na bancada, para depois só se poder sair em filinha pela única porta que está aberta, num jogo sem nenhum risco, é mesmo para chatear um adepto. Tenho saudades de ir à bola sem ser importunado por quem nos teima em tirar a pouca liberdade que temos dentro dum estádio, duma bancada, dum topo. Na Luz, recuperei em parte essa liberdade, pelo simples facto de que na zona onde estou, não sou sujeito à repressão habitual que é exercida no sector dos grupos de apoio. Entrar na Luz sem ser minuciosamente revistado à entrada ao ponto de entrar no estádio com uma imperial na mão, é coisa que me transporta para a realidade de um mundo esquecido desde há uns anos. E, apesar de ter sido uma distracção do steward, não deixou de ser uma pequena vitória.
Haja mais distracções assim.