2005/09/23

Para reflectir
«Eu preferia jogar com 20 mil pessoas no estádio, fazendo uma receita pequena, do que ter cinco mil a fazer a mesma receita. É igual na receita, a única diferença é que teríamos muito mais gente a apoiar.
Aquilo que leva o público a não ir ao futebol é o preço dos bilhetes. Tirou-se o futebol ao povo. Todos sabemos que são os estratos mais baixos da sociedade que estão habituados a ir aos estádios. Mas são estes que agora não têm dinheiro para ir ao futebol.
Eu ganhei o hábito de ir ao estádio, quando o meu pai me levava pela mão. Tinha quatro, cinco anos. Agora isto está a tornar-se um problema acrescido, porque está a perder-se o hábito de levar os filhos ao futebol porque é obrigatório comprar um bilhete de adulto, integral. E não é quando esses miúdos tiverem 14 ou 15 anos que vão começar a ganhar o hábito de frequentar os estádios.
Quando era novo vivia num bairro chamado Bairro da Solidariedade. De gente com menos recursos. E essas pessoas continuam a comprar jornais e a ouvir relatos. Mas, se calhar, já não têm dinheiro para ir aos estádios. Hoje em dia é quase preciso ter um bom carro, um bom emprego ou ser gerente de uma empresa para se ir ao futebol. Está-se a tornar o futebol um jogo elitista. Há que baixar os preços, torná-los mais apelativos. Está caro ir à bola.»
Carlos Carvalhal - treinador do Belém, numa conferência de imprensa.
Palavras para quê? Esta é a minha luta e devia ser, também, a luta de todos aqueles que têm saudades do futebol paixão. Está aqui tudo, reflictam. Não há rigorosamente mesmo mais nada para acrescentar.

2005/09/21

Recordações de um dia que quero ver repetido

'Viagem a Milão dia 25 de Março com regresso no mesmo dia, em vôo charter, por €315. Bilhete do jogo incluído. Alinhas?'

Foi assim que tudo começou há quase um ano e meio. Com uma mensagem escrita enviada a um amigo meu numa manhã de trabalho quando faltavam "apenas" seis dias para o jogo em San Siro contra o Inter. Não, mentira. Tudo começou uma semana antes, no estádio da Luz, quando o Benfica jogou a 1ª mão dos oitavos de final da Taça Uefa. Mal o árbitro apitou para o fim do encontro, prometi a mim mesmo, custasse o que custasse, que ia ver o meu clube a Itália na 2ª mão. Após o jogão que os jogadores fizeram, banalizando literalmente uma das mais ricas e fortes equipas do mundo, sentia-me frustrado pelo empate e a vontade de apoiar o SLB lá fora falou mais alto do que a frutração que me consumia. É incrível como certos jogos me levam a um tal estado de angústia por não termos ganho. Este foi, muito provavelmente, o empate que mais me custou a digerir muito por culpa da raça e vontade de vencer que os jogadores mostraram nos noventa minutos de jogo. Eles mereciam e naquela noite souberam honrar, à maneira antiga, a camisola que envergavam. Mas faltaram os golos e não me esqueço do bastardo do Toldo que defendeu o possível e o impossível. Duas semanas mais tarde, em Milão, percebi que perdemos a eliminatória pelos golos que não marcámos na Luz. E bastava um só para tudo ser perfeito.

A resposta do meu amigo, também via sms, não demorou muito a surgir. Na verdade, foram quase 60 minutos, mas no estado em que andava, pareceram-me 60 dias. Daqueles que teimam em não passar mesmo. 'Conta comigo!', recebi no meu telemóvel. E não perdi nem mais um segundo para marcar a viagem. Vim a saber, no dia seguinte, que ia no mesmo charter dos DV82 (na altura ainda não tinha regressado ao grupo após muitos anos afastado). E nesse dia, dormi bem mais descansado por saber que, daí a uns dias, ia estar num dos estádios míticos do mundo da bola a apoiar o meu Benfica.

No dia da partida, chego ao aeroporto pouco depois das seis da manhã para fazer o inevitável check-in. O nervoso miudinho que apareceu era mais pelo facto de ir fazer uma viagem de avião do que, propriamente, pelo jogo que ainda estava a mais de doze horas do seu início. Fico agradavelmente admirado quando vejo muitas pessoas com material do SLB, umas totalmente equipadas, outras nem por isso. Jamais imaginaria que iam partir de Lisboa, se não me engano, cinco aviões especialmente fretados para adeptos do Benfica. E isto era só o princípio de um dia épico. Entrámos no avião depois de termos sido transportados pelos buses de serviço do aeroporto e são poucos os que conseguem ficar no devido lugar, pois praticamente ninguém respeitou os lugares marcados. Os primeiros cânticos foram então entoados e começa-se a sentir a adrenalina que antecede os grandes jogos. Pessoalmente, acreditava num bom resultado, mas na verdade também estava tão ou mais ansioso por ir ver, ao vivo, o ambiente de San Siro. Falar da pátria do tifo sem chamarmos à conversa este palco, entre outros italianos, é algo que não me passa pela cabeça. E eu ia lá para ver, primeiro de tudo, o Benfica mas também por causa dos tiffosi.


Não quero perder-me com descrições do que aconteceu até entrarmos no estádio. Vou apenas deixar duas curiosidades. A primeira: Piazza Del Duomo era um mar vermelho, parecia que estava em Portugal. E a segunda: os carabinieri fecharam várias avenidas do centro de Milão para que as várias dezenas de autocarros fossem devidamente escoltados até ao parque de San Siro. Agora imaginem o que é viver uma situação destas a cerca de dois mil quilómetros de Lisboa. É difícil sentirmo-nos mais importantes. E já se cantava questa merda è tutta nostra. Na versão lusitana, claro.

Mas o melhor estava para vir. Entrei no estádio, dirigi-me para a bancada e logo fiquei paralisado. É inevitável e mais forte que eu. Tentei reagir mas nada, nicles, não consegui. Só me lembro de ter ficado com os olhos molhados por causa do que vi naquele sector do estádio: milhares de benfiquistas, sofredores como eu, naquele estádio mítico para ver o Benfica numa 5ª feira à noite e a tantos quilómetros de casa. Ali, era tudo vermelho mesmo, uns seis mil todos juntos pelo mesmo ideal. Do jogo em si, prefiro não falar, a não ser que fomos ingloriamente afastados da Uefa mas que voltámos para casa com o orgulho e a honra em alta. Perdemos quatro a três mas, por tudo e por nada, costumo dizer que mesmo se soubesse que íamos perder eu tinha ido na mesma ver este jogo. E cada vez que este dia vem à conversa, não me canso de dizer uma coisa: quando pensava que já tinha visto toda a força do meu clube, é verdadeiramente incrível como nos apercebemos que ele é ainda maior do que pensávamos...

Porque razão me lembrei disto tudo? É que hoje li que são esperados três mil e quinhentos benfiquistas em Old Trafford, dia 27 de Setembro e, também desta vez, vou ter o privilégio de estar presente para apoiar o Benfica noutro estádio mítico. Assim, era impossível não me recordar de Milão! Em Manchester, espero ter outra prova de que somos mesmo enormes. Não é que precise disso, mas é daquelas sensações que só vivendo é que se percebe o seu alcance: imensurável...

2005/09/02

O 'antes' e o 'agora' ou o choque de gerações

Tenho a sorte de ver o meu clube jogar entre companheiros de bancada que partilham da luta contra o futebol indústria. Ser adepto de um clube nestas condições, implica uma capacidade de sofrimento acima do normal. Não se trata de ficarmos meramente cabisbaixos quando perdemos ou empatamos. Trata-se de uma dimensão mais profunda e que vai mais além de comentários em forma de lamento só porque não ganhámos. Muitas vezes dou por mim a deitar as culpas ao futebol moderno quando o meu Benfica joga mal ou perde pontos. É inevitável a comparação que estabeleço com o 'antes' e o 'agora'. Com os tempos em que havia amor à camisola em contraponto com o profissionalismo dos tempos que correm. E chegar sempre à mesma conclusão que preferia infinitas vezes que o profissionalismo fosse às malvas porque o que eu quero é sentir aquelas camisolas correrem por amor ao símbolo que eu amo. Mas, como um dia um destacado romano gialorosso me disse, quem ama também odeia. É por isso que tanto desprezo a versão moderna do futebol, contra a qual me sinto bem mais genuíno ao defender aquilo que o meu avô e o meu pai me proporcionaram quando era puto e comecei a ir à bola. Sem cadeiras, sem escoltas, sem revistas e, no entanto, com a alma cheia por ir ver o Benfica. Acredito piamente que somos o último bastião contra o futebol indústria. E não tenho dúvidas que o campo em que onze contra onze se degladiam por uma vitória, as camisolas de 1 a 11 e as tardes da bola numa bancada de um qualquer estádio continuarão a ser valores de que jamais me vou dissociar.

O que me custa é que, no meio deste futebol moderno, aqueles que me ensinaram a ver a bola no seu estado puro de paixão, se acomodem ao actual estado das coisas e, sem nada fazer, afastam-se como se tivessem perdido esses valores que os levavam a ver futebol. Aquela geração que levava os filhos à bola, de mão dada para não se perderem na confusão, que aprendeu a ver a bola enquanto futebol do povo e que passou aos mais novos esses valores, mandaram-nos todos às malvas como se nada fosse com eles. É como se nos tivessem abandonado, deixando-nos entregue a uma indústria que sorve tudo e todos. É incrível como essa geração se desinteressou por esses valores e acabam por pactuar com os ideais vigentes no futebol actual, pagando preços exorbitantes sem levantarem uma única palavra ou simplesmente deixando de ir ao futebol dando lugar aos engravatados adeptos da festa. Sem gestos nem protestos. Enquanto nós, os mais novos, ainda lutam e acreditam que nessa luta, apesar de sentirem estar num beco sem saída, sentem também a consciência mais tranquila por não se vergarem a um polvo que leva algumas personalidades a dizer que o futuro do futebol é um estúdio de televisão. Não estou a brincar, eu li isto da boca de um dos responsáveis pelo Euro 2004 e, apesar de lhe reconhecer alguma razão pelo rumo que o futebol tem levado, não deixo de me sentir enojado que se queira transferir toda a magia existente nas bancadas dum estádio para uma sala fechada entre quatro paredes onde se controlam câmaras e computadores que, por sua vez, levam esse espectáculo a tantas outras salas fechadas onde alguém, sentado no seu sofá, vê um jogo de futebol. Vê... mas não o sente! É isso espectáculo? É isso magia?

Há poucos dias atrás, em plenas férias, tive uma discussão sobre estes assuntos com pessoas da minha idade e outras bem mais velhas. Àqueles que me ensinaram a amar o futebol paixão, enervadamente, acabei por lhes chamar vendidos. Não aguentei certos comentários que ouvi e tive de saír mesmo dali. E é isto que me custa mais: ver os que me incutiram esses valores, ficarem acomodados e, em certas situações, não perceberem a revolta que, de tão obvia e justificada que é, deveriam ser eles os primeiros a entender.