Runaground, Benfica...
O título é duma música dos James que espelha bem o meu estado de espírito depois desta odisseia europeia, de onde nunca deveríamos ter saído. Tudo isto, para mim, jamais foi um sonho. Foi uma realidade que devolveu aos mais velhos o sentimento que era um lugar-comum no antigo Estádio da Luz, por força das quartas-feiras europeias que o Benfica nos brindou anos e anos a fio. Foi uma realidade que levou os mais novos a descobrir a magia desses tempos, agora personificada no novo recinto da Luz. E foi uma realidade que nos deu o desejo profundo de voltar a repeti-la nos próximos tempos, porque ao fim de tanto tempo, este regresso à principal prova europeia acabou por mostrar que este é o nosso lugar, conquistado e merecido por direito próprio.
E tudo isto acabou. Vou ter saudades das noites europeias. Dos sessenta e cinco mil que faziam o Inferno da Luz. Do ambiente que se criava no estádio que me levava aos bons velhos tempos. Sim, eu sei. Eu sei que é um cliché mas quem, como eu, começou a ir à bola muito novo e bebeu esses ambientes, percebe a nostalgia que nos invade nestas alturas. Também vou ter saudades de ir lá fora para ver e sentir a força de tantas almas unidas pelo mesmo ideal. Hei-de relembrar vezes sem conta os pequenos infernos que conseguimos criar nos estádios dos nossos adversários. De me cruzar com companheiros em lugares tão longínquos de casa, por causa de um símbolo que mexe comigo mais do que muitos conseguem entender. Vou recordar os 'quita los pantallones' por terras de nuestros hermanos. Do equatoriano que entrou pelo quarto dentro sem pedir licença e abriu as janelas de madrugada, depois de termos andado de noite às voltas por Valência a redescobrir onde ficava o nosso hostel. De ter dito ao Miguel, à porta do El Madrigal, que ele não faz falta no Benfica porque o Nélson esteve em grande - e ainda estou convencido que é mesmo assim. De ouvir histórias de naves espaciais em pleno auto-estrada. De termos entrado pelo intervalo dentro a cantar pelo Benfica que chegou ao empate contra uns espanhóis sem história nem historial europeus. De chegar a uma hora do jogo começar em Old Trafford depois de uma viagem com escala em Frankfurt que envolveu um avião a andar às voltas por cima de Manchester porque estava adiantado em relação ao horário previsto. De ter ficado desiludido com os adeptos do Man Utd e orgulhoso pelo Força Benfica entoado com tanta alma e fervor que a derrota ficou cravada cá dentro. De não terem deixado os jogadores benfiquistas aproximar-se do nosso sector para agradecerem o apoio a milhares de quilómetros de casa, à boa maneira das regras do futebol moderno. Não me vou esquecer nunca dos momentos incríveis que os liverdpulians proporcionaram, dentro e fora do estádio, mas principalmente do You´ll never walk alone cantado ao vivo no seu local de origem, depois de uma viagem com escala em Málaga. Dos meus companheiros de bancada que ultrapassaram todas as dificuldades que se lhes depararam, e que não foram poucas, para não deixarem de estar presentes em Anfield Road. De ter chegado ao aeroporto de Liverpool e deparar-me com imensa gente vinda de outros lados por causa do Benfica. Do cab que passava os sinais vermelhos até ao centro da cidade. De ter realizado um sonho de muitos anos que era ver o Kop e outro de não tantos anos que me fez voltar aos tempos em que as tochas e os fumos eram presença habitual nas curvas. Vou ter saudades disto tudo. E do que ficou para vir...
E tudo isto acabou. Em Camp Nou, que teve a maior deslocação de adeptos de um clube adversário do Barcelona. Aquela mancha vermelha lá no alto do estádio era impressionante e a televisão encarregou-se de mostrá-la várias vezes. Assim como era impressionante ouvir nitidamente os cânticos do Benfica na transmisão televisiva, ao ponto de, por várias vezes, sobreporem-se aos comentadores. Que inveja por não estar a viver esses momentos na bancada. Desta vez não fui, mas fica o consolo por ter convencido amigos e familiares a irem até à Catalunha ver o Benfica lá fora e confirmarem o que já tinha visto em Camp Nou. O ambiente é uma farsa e os seus adeptos são outra. Para mim, o futebol não é apenas onze contra onze. É também, e se calhar mais importante, o que se passa nas bancadas e quanto a isso, o Barcelona está a léguas de ser um grande clube. E, mais uma vez, confirmou-se o que já tinha percebido em San Siro e que nunca me canso de dizer: quando pensamos que já vimos toda a força do clube, ele encarrega-se de mostrar que, em certos momentos, há mais qualquer coisa que nos faz sentir que é maior do que imaginávamos. Foi assim em Old Trafford, em Anfield Road e em Camp Nou. Seria assim novamente em San Siro. E é disso que vou ter mais saudades.
- Olha...! Olha, ouve! Estás a ouvir?!, perguntei várias vezes durante o jogo quando ouvia os benfiquistas em Camp Nou. Estava tão ou mais preocupado com o apoio do que propriamente com a partida, mas isto são coisas minhas desde que me conheço.
E tudo isto acabou. Mas ao contrário de muitos que oiço por aí, não foi o acordar de um sonho. Foi o reviver de emoções por que já tinha passado quando era mais novo. Foi o redescobrir de um tempo e lugar de que tinha saudades. Foi o renascer duma esperança em que tudo isto se repita com todos estes ingredientes que não deixam qualquer um indiferente. Foi um privilégio estar presente ao longo desta odisseia e amava que pelo menos uma vez na vida todos os adeptos do clube tivessem oportunidade de viver e sentir o que só o Benfica poderia proporcionar nas deslocações ao estrangeiro.
Mas tudo isto acabou. E eu não me vou esquecer. Nunca me vou esquecer.
2 Comments:
De Barcelona só se aproveita a cidade em si. O resto? Merda, merda, merda.
Apesar do jogo e do resultado, estivemos bem. Bem no alto de um estádio de merda, perante um público de merda, os Benfiquistas mostraram a sua força. E imaginem o que teria sido se o resultado fosse outro...
Para o ano há mais. Se não acreditarmos, se não sonharmos, NUNCA lá chegaremos.
"Mas tudo isto acabou"... este ano. Esqueceste-te de acrescentar estas duas palavras, caro GR1904! Para a próxima época lá estaremos de novo e eu também acredito que os irmãos Metralha nos hão-de devolver o caneco europeu um dia destes.
Sou do Benfica e isso me envaidece
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