2005/12/12

Um regresso ao passado
Ainda tenho o barulho ensurdecedor daquele estádio a ecoar-me na cabeça. Fosse para puxar pela equipa, fosse para enervar o adversário. Ainda me emociono quando me apercebi, pela primeira vez nessa noite, que a Luz não era apenas um estádio mas sim um estado de alma. Ainda me emociono quando recordo os sessenta e cinco mil índios que pouco mais eram do que metade dos cento e vinte mil que me habituaram a estes ambientes e a estas noites mas que fizeram renascer esse inferno, esse estado de alma. Porque um estádio assim não pode ser um estádio qualquer e muito menos se pode resumir a quatro bancadas marcadas pela publicidade. É algo mais que isto. É sentir na pele que passámos para o relvado a nossa vontade, o nosso sonho, o nosso desejo, o nosso querer, a nossa ilusão. É esquecer, por momentos, que quando alto se sonha a desilusão pode vir em forma de hecatombe. E corremos esse risco, porque acreditámos sempre que maior do que a ilusão seria o concretizar deste sonho. Mas fizemo-lo com a convicção que marca a diferença, empunhando bem alto o orgulho que nunca fugiu mas que às vezes se esconde por qualquer razão. Mas principalmente, fizémo-lo com a consciência das nossas fraquezas que as transformámos em forças. Com a histórica sina que sempre tivémos de correr mais para ultrapassar as nossas barreiras e superar os obstáculos. Esta era, aliás, uma das grandes características do Benfica que passeou pela Europa em idos tempos, que ainda hoje é falado e ao qual devemos muito do respeito que nos prestam em todo o mundo. O Benfica não era apenas onze jogadores. Era também o estádio da Luz. E era esta união entre a fé e a crença nas camisolas berrantes que o Inferno impunha respeito e temor nos adversários. Nada que eu não tivesse já sentido. Mas não neste estádio. E muito menos com este estado de alma.

Quando chego às redondezas do estádio, aparecem-me à frente dois ingleses:
- Where is Estadio da Luz?, perguntam-me.
Fico sem saber se são doidos ou se estão a falar sério, pois o clarão dos holofotes via-se daquela rua.
- All street ahead and you´ll see where is, respondo-lhes.
- Can we go with you?, ripostou um dos United fans, talvez não convencido com a sinceridade da minha resposta, apesar do clarão do estádio.
Acedi ao pedido e, por alguns minutos, fiquei a saber coisas interessantes durante a conversa que mantive com eles. Que a Luz, apesar da sua versão nova, continua a ser um dos recintos mais conhecidos em Inglaterra. Que não estavam nada confiantes em relação ao jogo do Man Utd. Que ficaram sentidos quando lamentei a morte do Best, e ali percebi que este jogador lhes dizia mesmo muito. E que, imagine-se, não tinham bilhetes para o jogo e vieram a Lisboa mais numa de fugir ao frio e curtir o ambiente. Definitivamente, eram doidos.
- Welcome to hell, despedi-me quando avistámos o estádio. E mal sabia eu o quão acertadas viriam a ser estas palavras.
Os últimos dez minutos do jogo, foram intemporais. Parecia que o tempo não andava. Olhei mais vezes para o relógio do que num ano de vida. Deslumbrava-me com aquele ambiente e com a garra que os jogadores mostraram em campo. Estava mais nervoso que nunca. E ansioso também. Não queria deixar de sentir este estado de alma à minha volta. E ao mesmo tempo queria que o jogo acabasse. Senti-me empurrado para as míticas quartas-feiras europeias à custa de um Benfica que fez das fraquezas, as suas forças. E ao ver aqueles sessenta e cinco mil explodirem com a paixão exacerbada, revivi o Inferno. E, não me contive, chorei. Passaram cinco dias de uma noite que me mandou literalmente de volta às quartas-feiras europeias do antigo estádio da Luz. Agora, tenho setenta e um dias para sonhar com outra noite como esta.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A Luz há-de ser sempre a Luz basta haver disposição, e basta que o estadio esteja cheio, mas claro que jogar contra o manchester é sempre um grande incentivo para que toda a gente cante ou assobie, é pena é que este Inferno seja raro de acontecer, porque se todos os jogos fossem assim e jogássemos com aquela garra e com aquele apoio, de certeza que quem quer que viesse ao Inferno, ia sair de lá de mansinho.
Mas este jogo foi especial, não só por ter re-acendindo alguma da Mistica perdida ao longo dos anos,mas tambem por ter feito com que as grandes e vitoriosas Noites Europeias tivessem voltado ao Inferno.


É a Luz... O Inferno da Luz...

Abraço do outro lado

12:06 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Texto muito muito muito bom mesmo :) E esse "Welcome to hell" diz realmente tudo!!

Beijos

10:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Grande , mas mesmo grande mabiente....

7:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tive pena de não puder ir...
Não estar presente num dos maiores feitos do Benfica dos últimos anos a nível europeu. Pela T.V deu para confirmar o inferno que tu tão bem descreves.Realmente foi algo que levou os jogadores a sentirem que era possível!!

Em Fevereiro espero lá estar...

Um forte abraço

Beco do Mariano.

10:44 da tarde  

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