2006/07/20

O Benfica e a Feira da Ladra

«Num destes sábados, fui à Feira da Ladra, onde não ia já há muitos meses. Terças e sábados, o lisboeta já sabe que a Feira da Ladra o espera naquele terreiro junto ao hospital da Marinha, entre palácios e as igrejas de S. Vicente de Fora e de Santa Engrácia, apinhadinha de feirantes, uns mais antigos e mais profissionais, outros ainda agora chegados com pequenas bancas improvisadas, tentando fazer pela vida.

A Feira da Ladra é sempre um espectáculo, mas, devo dizê-lo, já não é o que era. Hoje, a feira é um amontoado de bancas carregadas de roupa, de sapatos, de quinquilharias que não têm nada a ver com a velha feira de outros tempos onde os vendedores sabiam bem as preciosidades que tinham expostas.

Conheci ali alguns feirantes que percorriam o país de ponta a ponta, à procura de objectos para uma clientela que sabia muito bem o que queria e o que valiam certas peças. Candeeiros antigos, loiças, livros, mapas, pequenas jóias, alguns antiquários ainda resistem ao vendaval das camisolas, das calças de ganga ou das botas.

Ainda vi por lá os amigos das moedas e dos selos, mas tudo é abafado pelo som estridente dos megafones, "não custa duzentos, nem cem, nem cinquenta, leva por cinco e ainda acrescento este lindíssimo cobertor com um leão bordado a ouro...".

E pelo chão espalham-se ferramentas e um sem-número de objectos, uns mais inesperados do que outros, mas todos à espera do comprador certo. E há gente para tudo, até para meia dúzia de botões forrados que uma jovem guardou, feliz da vida, com o achado daquela tarde.

Reparei que os discos de vinil, aqueles elepês enormes que giravam, antigamente, nos nossos gira-discos, são uma relíquia que vale muito dinheiro. Com capas ou sem capas, desde Pat Boone a Zeca Afonso, de Renato Carosone a Léo Ferré, lá estão, levados por gente nova que, dali saída com algum dinheiro no bolso, irá a correr comprar o último dos "Oasis".

Vi dois bonitos lençóis de linho bordados e enfeitados com a verdadeira renda de bilros e um xaile de seda preta com enormes franjas que custava os olhos da cara, alguma roupa antiga, um ou outro santo de igreja (os santões, esses estão escondidos nas lojas dos antiquários sem que ninguém lhes pergunte a origem...), artesanato pindérico, DVD aos montes, mobílias, conjuntos de sofás em pele falsa, mas com um certo aparato e, resistindo a anos e anos de Feira da Ladra, a loja com artigos da tropa que fizeram furor nos anos sessenta e, ao que parece, continuam a sair em beleza.

Mesmo sem o brilho e o pequeno requinte de outros tempos, a Feira da Ladra vai resistindo e é um enorme centro comercial ao ar livre, onde os lisboetas gostam de se encontrar e de se abastecer a preços módicos. Podendo até levar para casa "um lindíssimo cobertor com um leão bordado a ouro".

Se em vez do leão fosse uma águia, talvez o "lindíssimo cobertor" morasse agora no Campo Grande...»

in Jornal de Notícias